s. f., gravilha@gmail.com

sábado, abril 29, 2006

SILENZIO!

Última semana nas bancas, é com tristeza que vejo o Blitz desaparecer tal qual o conheci, ou por outra, no formato, mais mudança menos mudança (e algumas foram significativas), em que o comecei a ler.
Conheci o Blitz, nos tempos da secundária – ia na primeira dezena de edições -, e a primeira aproximação via pregões e declarações (que eram uma espécie de chat / email primitivos) depressa se transformou em leitura mais abrangente, colocando-o num dos vértices de uma espécie de polígono musical do qual faziam parte o Som da Frente / Luso Clube (Rádio Comercial), os discos / cassetes emprestados / gravados pelos amigos, os concertos, o Griffons / Batô e as enriquecedoras conversas sobre a música e sobre esses próprios vertices. No meio, ou no topo caso vejamos a coisa como um objecto tridimensional, estava a síntese, o sumo, que eram, nessa primeira fase de adesão (in)consciente e inicio de uma paixão duradoura, os discos (poucos) que eu comprava.
Desde então muitas coisas mudaram. O que me parece que não mudou no Blitz e que deveria ter mudado, tem a ver com uma série de envolventes que se transformaram neste entretanto e que tenho a certeza que muitas pessoas dentro do Blitz perceberam; mas, e por motivos que obviamente desconheço, o que me parece é que quem mandou não conseguiu implementar as mudanças que teriam de existir para acompanhar essa transformação.
E não foi só a Internet que passou a disponibilizar muito mais informação e em tempo muito menor – o que desde logo é difícil de bater para um jornal de periodicidade semanal.
- o aumento exponencial da circulação de publicações estrangeiras sobre música e a consequente democratização do seu consumo
- a introdução dos suplementos semanais sobre musica/cinema/arte/cultura/cultura juvenil nos jornais diários que passaram a ser concorrentes directos, e que hoje por hoje, acho mais interessantes (6ª – DN) e apelativos (Y – Público) que o próprio Blitz.
- a não especialização e consequente “engrossar” do Blitz em, pelo menos, algumas direcções – veja-se, o excelente exemplo que foi o trabalho do Jorge Manuel Lopes em relação à “urban music”; a profundidade dos textos que escreveu acerca da música que muito poucos conheciam não foi, a meu ver, acompanhada, por exemplo, na vertente do que podemos chamar “indie” e daí, o Blitz há muito ter deixado, nesse particular, de ser uma referência – e essa tinha sido uma das grandes molas impulsionadoras nos primeiros anos. Hoje o fenómeno indie, vive muito da novidade, essa novidade exige muita pesquisa e o Blitz não “teve tempo” para a fazer ou não a quis fazer.
- a cada vez menor importância do formato álbum para as novas gerações, foi outra mudança que o Blitz não conseguiu contrariar; é obvio, que para um jornal o formato álbum é muito mais apetecível, não só pela quantidade, mas também pelo todo que o conceito álbum representa e é obvio que isto é também difícil de contrariar.
- haverá concerteza outros motivos, creio no entanto que o facto de o Blitz estar inserido num grupo empresarial que tem obrigatoriamente de ser gerador de lucros, ou pelo menos de não-prejuízo, não pode ser encarado apenas pelo ponto de vista da desvantagem; as vantagens das ligações que o grupo pode trazer, pelo lado da publicidade, pelo lado da infraestrutura existente a vários níveis e o intercâmbio de colaboradores/colaborações que podem e devem existir deveriam/devem ser explicadas a quem gere, e não duvidando da capacidade de gestão dos que estiveram à frente do Blitz, creio que aí algo falhou.
Por outro lado ainda, e talvez contrariando a opinião de alguns que defendem ser a Internet o quase único motivo do fecho do Blitz, não me parece que para leituras mais extensas, a Internet possa hoje substituir as versões impressas por motivos relacionados com a facilidade/conforto da leitura; a imprensa escrita tem de se adaptar para que as duas possam coexistir, cada qual com a sua função e com o seu espaço próprio.
Mesmo nos aspectos acessórios, mas que no fundo, e voltando ao inicio deste texto, foram aqueles que enquanto teenager me deram a conhecer o Blitz, parece-me que o jornal não se soube transformar quanto a mecanismos de captação de novos leitores: houve algum mecanismo eficaz e necessariamente inovador para substituir os pregões e declarações?
Para concluir, e isto é apenas a opinião de um leitor de (quase) sempre, e sei que falar depois é muito mais fácil, o que eu creio que o Blitz poderia ser hoje, seria um jornal semanal de aspecto gráfico mais apelativo, mais abrangente e extenso ao nível das opiniões mas sem deixar de ser profundo e atento em cada um dos sub-universos musicais relevantes, complementado por forte e decidida presença na Internet / conteúdos digitais (o que nunca aconteceu).
Sublinho ainda o papel que o Blitz sempre teve no apoio e divulgação da música feita em Portugal, a esse nível é completamente insubstituível e não há nenhuma outra publicação que lhe chegue sequer aos calcanhares. A perda, nesse aspecto, é gigantesca.
Haverá sempre saudades dos bons tempos do Blitz, da expectativa das manhãs de 3ª feira e do muito bom jornalismo/literatura musical que alguns nele fizeram – Jorge Manuel Lopes, Rita Carmo, António Pires, Manuel Falcão, Nuno Galopim, Luís Guerra, Pedro Gonçalves, Gonçalo Frota (e muitos outros), mas agora a vida segue. Conforta-me a ideia de que um dia destes vai aparecer outro jornal de música que vai marcar um tempo - como o Blitz marcou o seu.
Blitz - R.I.P. Há mais silencio em Portugal.

8 comentários:

atari disse...

já há alguns meses q me tinha desligado do blitz. comprava quase todas as semanas desde os meus 17-18 anos (e já tenho 30!!). n sei pq mas ja n me identificava com o jornal. pode ser q apareça outro, mas se n aparecer ngm vai morrer. temos uma data de revistas/jornais estrangeiras sobre musica bastante superiores, e para sabermos quais os concertos q há nesta terrinha há o Y. em conclusão, n me faz falta nenhuma

Jorge Lopes disse...

Caro Pedro, esta é a reflexão mais certeira e lúcida (mesmo não estando inteiramente de acordo com tudo, como é natural) que vi ao fim do Blitz semanal. É o tipo de prosa que devia ter surgido em publicações «oficiais» e que, tanto quanto me tenha apercebido, não surgiu...

Uma das inúmeras lições que se podem tirar de tudo estas coisas Blitz-related seria algo como: Um site é um site. Um jornal é um jornal. Um jornal deve fazer o que aos sites não cabe fazer e vice-versa. Um jornal deve perceber o seu lugar no mundo hoje, 2006 - um lugar diferente e/ou mais pequeno do que noutros tempos, mas tem que perceber que raio de lugar é esse.

Obrigado, Pedro, pelas palavras e pela inteligência.

Gravilha disse...

you spoil me rotten, mate! :)

Gravilha disse...

em relação às publicações "oficiais" de facto também não li nada acerca do fim do blitz (enquanto jornal semanário) para além de uma ou outra notícia a dar conta do facto.
Estranho... parece que está tudo meio zombieficado...

superpiloto disse...

Comecei a comprar o Blitz regularmente quando andava no 8º ano, numa altura em que o Pop Off passava a horas proibitivas nas madrugadas de 4ª feira.

Deixei de comprar o Blitz em 1995. Andava no 12º ano, tomei a decisão depois de ler uma crítica tenebrosa a um disco dos Sonic Youth (Washing Machine), onde estes eram aconselhados a mudar de nome para Sonic Oldies. Nas mesmas páginas podia-se ler uma excelente crítica ao 1º disco dos Blind Zero. Na altura pensei - Foda-se! Já chega, os gajos estão comprados.

A esta distância penso de maneira diferente, sei que agi com um fundamentalismo exagerado, mas na realidade o Blitz já não me dizia muito. Ao longo dos anos, fui deitando o olho ao jornal, mas confesso que passava bem sem ele. Sei, no entanto, que para muita gente continuava fundamental e de certa forma deixa um vazio no panorama editorial nacional.

Gravilha disse...

para mim o Blitz há muito que, infelizmente, tinha deixado de ser fundamental; mas era o que tinhamos, e tinha coisas muito boas. O vazio parece-me evidente e se não fosse por outra coisa é pelo menos pelos bons artigos/entrevistas assinados por um punhado de jornalistas cujo trabalho, esse sim, se foi tornando fundamental. Boa ideia era que esses fundassem um novo jornal!

Rita Carmo disse...

Caro Pedro, pela minha parte muito obrigada pelas tuas palavras e pela lembrança. A grande maioria das vezes, as imagens ficam à margem de considerações e limitam-se a acompanhar os textos de repórteres. Agradeço-te teres-me colocado entre os nomes dos meus prezados colegas. Agora o grande desafio é continuar um jornalismo de imagens dedicado à música... :)

Gravilha disse...

não tens de agradecer, a sério que sou grande admirador do teu trabalho - quer na vertente foto-jornalismo (a que mais admiro) quer em retrato. desculpa não ter dito nada acerca da bela foto que ilustra este post; espero que sigas com a enorme inspiração que sempre demonstraste e que haja quem faça bons textos para acompanhar as tuas fotos :) A sério que tenho muitas horas de vida a olhar para as tuas fotos e a sério que os meus fotógrafos preferidos - neste particular que é a "fotografia rock" - és tu e o Steve Gullick. Agora imagina o orgulho que não tenho por teres passado por aqui :)))
fica bem e volta sempre!
- A TODOS -
A Rita Carmo publicou uma obra - Altas-Luzes - com algumas das suas mais belas fotos que são também algumas das mais belas "fotos rock".
Para uma pequena amostra cliquem no blixa.