Última semana nas bancas, é com tristeza que vejo o Blitz desaparecer tal qual o conheci, ou por outra, no formato, mais mudança menos mudança (e algumas foram significativas), em que o comecei a ler.
Conheci o Blitz, nos tempos da secundária – ia na primeira dezena de edições -, e a primeira aproximação via pregões e declarações (que eram uma espécie de chat / email primitivos) depressa se transformou em leitura mais abrangente, colocando-o num dos vértices de uma espécie de polígono musical do qual faziam parte o Som da Frente / Luso Clube (Rádio Comercial), os discos / cassetes emprestados / gravados pelos amigos, os concertos, o Griffons / Batô e as enriquecedoras conversas sobre a música e sobre esses próprios vertices. No meio, ou no topo caso vejamos a coisa como um objecto tridimensional, estava a síntese, o sumo, que eram, nessa primeira fase de adesão (in)consciente e inicio de uma paixão duradoura, os discos (poucos) que eu comprava.
Desde então muitas coisas mudaram. O que me parece que não mudou no Blitz e que deveria ter mudado, tem a ver com uma série de envolventes que se transformaram neste entretanto e que tenho a certeza que muitas pessoas dentro do Blitz perceberam; mas, e por motivos que obviamente desconheço, o que me parece é que quem mandou não conseguiu implementar as mudanças que teriam de existir para acompanhar essa transformação.
E não foi só a Internet que passou a disponibilizar muito mais informação e em tempo muito menor – o que desde logo é difícil de bater para um jornal de periodicidade semanal.
- o aumento exponencial da circulação de publicações estrangeiras sobre música e a consequente democratização do seu consumo
- a introdução dos suplementos semanais sobre musica/cinema/arte/cultura/cultura juvenil nos jornais diários que passaram a ser concorrentes directos, e que hoje por hoje, acho mais interessantes (6ª – DN) e apelativos (Y – Público) que o próprio Blitz.
- a não especialização e consequente “engrossar” do Blitz em, pelo menos, algumas direcções – veja-se, o excelente exemplo que foi o trabalho do Jorge Manuel Lopes em relação à “urban music”; a profundidade dos textos que escreveu acerca da música que muito poucos conheciam não foi, a meu ver, acompanhada, por exemplo, na vertente do que podemos chamar “indie” e daí, o Blitz há muito ter deixado, nesse particular, de ser uma referência – e essa tinha sido uma das grandes molas impulsionadoras nos primeiros anos. Hoje o fenómeno indie, vive muito da novidade, essa novidade exige muita pesquisa e o Blitz não “teve tempo” para a fazer ou não a quis fazer.
- a cada vez menor importância do formato álbum para as novas gerações, foi outra mudança que o Blitz não conseguiu contrariar; é obvio, que para um jornal o formato álbum é muito mais apetecível, não só pela quantidade, mas também pelo todo que o conceito álbum representa e é obvio que isto é também difícil de contrariar.
- haverá concerteza outros motivos, creio no entanto que o facto de o Blitz estar inserido num grupo empresarial que tem obrigatoriamente de ser gerador de lucros, ou pelo menos de não-prejuízo, não pode ser encarado apenas pelo ponto de vista da desvantagem; as vantagens das ligações que o grupo pode trazer, pelo lado da publicidade, pelo lado da infraestrutura existente a vários níveis e o intercâmbio de colaboradores/colaborações que podem e devem existir deveriam/devem ser explicadas a quem gere, e não duvidando da capacidade de gestão dos que estiveram à frente do Blitz, creio que aí algo falhou.
Por outro lado ainda, e talvez contrariando a opinião de alguns que defendem ser a Internet o quase único motivo do fecho do Blitz, não me parece que para leituras mais extensas, a Internet possa hoje substituir as versões impressas por motivos relacionados com a facilidade/conforto da leitura; a imprensa escrita tem de se adaptar para que as duas possam coexistir, cada qual com a sua função e com o seu espaço próprio.
Mesmo nos aspectos acessórios, mas que no fundo, e voltando ao inicio deste texto, foram aqueles que enquanto teenager me deram a conhecer o Blitz, parece-me que o jornal não se soube transformar quanto a mecanismos de captação de novos leitores: houve algum mecanismo eficaz e necessariamente inovador para substituir os pregões e declarações?
Para concluir, e isto é apenas a opinião de um leitor de (quase) sempre, e sei que falar depois é muito mais fácil, o que eu creio que o Blitz poderia ser hoje, seria um jornal semanal de aspecto gráfico mais apelativo, mais abrangente e extenso ao nível das opiniões mas sem deixar de ser profundo e atento em cada um dos sub-universos musicais relevantes, complementado por forte e decidida presença na Internet / conteúdos digitais (o que nunca aconteceu).
Sublinho ainda o papel que o Blitz sempre teve no apoio e divulgação da música feita em Portugal, a esse nível é completamente insubstituível e não há nenhuma outra publicação que lhe chegue sequer aos calcanhares. A perda, nesse aspecto, é gigantesca.
Haverá sempre saudades dos bons tempos do Blitz, da expectativa das manhãs de 3ª feira e do muito bom jornalismo/literatura musical que alguns nele fizeram – Jorge Manuel Lopes, Rita Carmo, António Pires, Manuel Falcão, Nuno Galopim, Luís Guerra, Pedro Gonçalves, Gonçalo Frota (e muitos outros), mas agora a vida segue. Conforta-me a ideia de que um dia destes vai aparecer outro jornal de música que vai marcar um tempo - como o Blitz marcou o seu.
Blitz - R.I.P. Há mais silencio em Portugal.
Conheci o Blitz, nos tempos da secundária – ia na primeira dezena de edições -, e a primeira aproximação via pregões e declarações (que eram uma espécie de chat / email primitivos) depressa se transformou em leitura mais abrangente, colocando-o num dos vértices de uma espécie de polígono musical do qual faziam parte o Som da Frente / Luso Clube (Rádio Comercial), os discos / cassetes emprestados / gravados pelos amigos, os concertos, o Griffons / Batô e as enriquecedoras conversas sobre a música e sobre esses próprios vertices. No meio, ou no topo caso vejamos a coisa como um objecto tridimensional, estava a síntese, o sumo, que eram, nessa primeira fase de adesão (in)consciente e inicio de uma paixão duradoura, os discos (poucos) que eu comprava.
Desde então muitas coisas mudaram. O que me parece que não mudou no Blitz e que deveria ter mudado, tem a ver com uma série de envolventes que se transformaram neste entretanto e que tenho a certeza que muitas pessoas dentro do Blitz perceberam; mas, e por motivos que obviamente desconheço, o que me parece é que quem mandou não conseguiu implementar as mudanças que teriam de existir para acompanhar essa transformação.
E não foi só a Internet que passou a disponibilizar muito mais informação e em tempo muito menor – o que desde logo é difícil de bater para um jornal de periodicidade semanal.
- o aumento exponencial da circulação de publicações estrangeiras sobre música e a consequente democratização do seu consumo
- a introdução dos suplementos semanais sobre musica/cinema/arte/cultura/cultura juvenil nos jornais diários que passaram a ser concorrentes directos, e que hoje por hoje, acho mais interessantes (6ª – DN) e apelativos (Y – Público) que o próprio Blitz.
- a não especialização e consequente “engrossar” do Blitz em, pelo menos, algumas direcções – veja-se, o excelente exemplo que foi o trabalho do Jorge Manuel Lopes em relação à “urban music”; a profundidade dos textos que escreveu acerca da música que muito poucos conheciam não foi, a meu ver, acompanhada, por exemplo, na vertente do que podemos chamar “indie” e daí, o Blitz há muito ter deixado, nesse particular, de ser uma referência – e essa tinha sido uma das grandes molas impulsionadoras nos primeiros anos. Hoje o fenómeno indie, vive muito da novidade, essa novidade exige muita pesquisa e o Blitz não “teve tempo” para a fazer ou não a quis fazer.
- a cada vez menor importância do formato álbum para as novas gerações, foi outra mudança que o Blitz não conseguiu contrariar; é obvio, que para um jornal o formato álbum é muito mais apetecível, não só pela quantidade, mas também pelo todo que o conceito álbum representa e é obvio que isto é também difícil de contrariar.
- haverá concerteza outros motivos, creio no entanto que o facto de o Blitz estar inserido num grupo empresarial que tem obrigatoriamente de ser gerador de lucros, ou pelo menos de não-prejuízo, não pode ser encarado apenas pelo ponto de vista da desvantagem; as vantagens das ligações que o grupo pode trazer, pelo lado da publicidade, pelo lado da infraestrutura existente a vários níveis e o intercâmbio de colaboradores/colaborações que podem e devem existir deveriam/devem ser explicadas a quem gere, e não duvidando da capacidade de gestão dos que estiveram à frente do Blitz, creio que aí algo falhou.
Por outro lado ainda, e talvez contrariando a opinião de alguns que defendem ser a Internet o quase único motivo do fecho do Blitz, não me parece que para leituras mais extensas, a Internet possa hoje substituir as versões impressas por motivos relacionados com a facilidade/conforto da leitura; a imprensa escrita tem de se adaptar para que as duas possam coexistir, cada qual com a sua função e com o seu espaço próprio.
Mesmo nos aspectos acessórios, mas que no fundo, e voltando ao inicio deste texto, foram aqueles que enquanto teenager me deram a conhecer o Blitz, parece-me que o jornal não se soube transformar quanto a mecanismos de captação de novos leitores: houve algum mecanismo eficaz e necessariamente inovador para substituir os pregões e declarações?
Para concluir, e isto é apenas a opinião de um leitor de (quase) sempre, e sei que falar depois é muito mais fácil, o que eu creio que o Blitz poderia ser hoje, seria um jornal semanal de aspecto gráfico mais apelativo, mais abrangente e extenso ao nível das opiniões mas sem deixar de ser profundo e atento em cada um dos sub-universos musicais relevantes, complementado por forte e decidida presença na Internet / conteúdos digitais (o que nunca aconteceu).
Sublinho ainda o papel que o Blitz sempre teve no apoio e divulgação da música feita em Portugal, a esse nível é completamente insubstituível e não há nenhuma outra publicação que lhe chegue sequer aos calcanhares. A perda, nesse aspecto, é gigantesca.
Haverá sempre saudades dos bons tempos do Blitz, da expectativa das manhãs de 3ª feira e do muito bom jornalismo/literatura musical que alguns nele fizeram – Jorge Manuel Lopes, Rita Carmo, António Pires, Manuel Falcão, Nuno Galopim, Luís Guerra, Pedro Gonçalves, Gonçalo Frota (e muitos outros), mas agora a vida segue. Conforta-me a ideia de que um dia destes vai aparecer outro jornal de música que vai marcar um tempo - como o Blitz marcou o seu.
Blitz - R.I.P. Há mais silencio em Portugal.